sexta-feira

Nada há mais agradável que sofrer aborrecimentos por uma pessoa que valha a pena

  "Na escada, ouvi atrás de mim uma voz que me interpelava:
  — Então é assim que o senhor me espera.
  Era o senhor de Charlus.
  — Importa-se de andar alguns passos a pé? — disse-me secamente quando chegámos ao pátio. — Caminharemos até eu encontrar um fiacre que me convenha.
  — O senhor quer falar comigo?
  — Ah, aí está, efectivamente, tinha certas coisas para lhe dizer, mas não sei bem se o farei. É certo que acho que elas poderiam ser para si o ponto de partida de inapreciáveis vantagens. Mas entrevejo também que elas introduziriam na minha vida, na minha idade, em que se começa a dar importância ao sossego, muitas perdas de tempo, muitos incómodos de toda a ordem; ora, pergunto a mim mesmo se valerá a pena eu sujeitar-me a tantas perturbações por sua causa, e não tenho o prazer de o conhecer o suficiente para me decidir. Em Balbec achei-o bastante medíocre, mesmo descontando a estupidez inseparável do personagem «banhista» e do uso de uma coisa chamada «alpargatas». E aliás talvez o senhor não tenha daquilo que eu poderia fazer um desejo suficientemente grande para eu me dar a tantos aborrecimentos, porque, repito-lhe com toda a franqueza, meu caro senhor, para mim não podem deixar de ser (repetiu martelando as palavras com força) aborrecimentos.
  Protestei que então era melhor não pensar nisso. Esta ruptura de negociações não pareceu agradar-lhe.
  — Esta cortesia nada significa — disse-me num tom duro.
  — Nada há mais agradável que sofrer aborrecimentos por uma pessoa que valha a pena. Para os melhores de nós, o estudo das artes, o gosto pelas antiguidades, pelas colecções, pelos jardins, não passam de ersatz, de sucedâneos, de álibis. No fundo do nosso tonel, como Diógenes, pedimos um homem. Cultivamos as begónias e podamos os teixos à falta de melhor, porque os teixos e as begónias se submetem. Mas preferíamos dar o nosso tempo a um arbusto humano, se tivéssemos a certeza de que valia a pena. Toda a questão está aqui; o senhor deve conhecer-se um pouco. E acha que vale ou não a pena?"

Einstein incorporando o personagem «banhista»